letras manchadas de sangue,


                                frases esquartejadas,


                                                        espalhadas pelo chão




sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Morto - Parte 1 de 2


As instruções eram claras e simples. Figueira chegou às 3 da manhã em ponto, exatamente como Joaquim havia solicitado. O carro já estava abastecido e os pneus calibrados. Joaquim entregou as chaves, os documentos e um dinheiro para o combustível e algum lanche no meio do caminho. Quando voltar lhe pago o frete, disse. E faça boa viagem.

O trabalho era fácil e rápido. Figueira estava desempregado e sobrevivia de bicos. Este dinheiro seria muito bem-vindo mas ainda assim estava incomodado. Enquanto colocavam o caixão no carro ele procurou ficar longe. Saiu pelo portão da garagem e só voltou quando a “encomenda” estava no lugar. Prenderam bem isso aí? - certificou-se. Não quero ter que parar no caminho para amarrar esse negócio.

Estava de mau humor. Já não bastasse a falta de emprego, discutira com a esposa horas antes. Vou ficar com a minha tia – disse a mulher enquanto jantavam. Ele passou a noite tentando dissuadí-la até chegar a hora de ir para a funerária. Não conseguiu. No caminho não pensava em outra coisa. Não sabia se Adelaide estaria em casa quando voltasse. Imaginou uma desculpa menos vergonhosa que a verdade para desistir do trabalho, mas ele precisava do dinheiro.

As ruas estavam calmas, ninguém na rua. O ronco macio do carro da funerária rompia o silêncio da madrugada. Na saída da cidade parou em um posto de gasolina. Tomou um expresso duplo e comprou cigarros e fósforos. Precisava deles para não dormir. Voltou para o carro. Ainda não estava acostumado com a sua companhia de viagem. Que mal há nisso? Está morto! - pensou.

Abriu a porta, ligou o toca-fitas do carro e acendeu um cigarro. Ficou parado, pensando em Adelaide. Imaginava se ela teria desistido e dormido, ou se estaria arrumando as malas. Será que já falou com a tia? Se já contou tudo o que aconteceu para a tia vai ser mais difícil mudar de idéia.

- Que se foda! - disse. Jogou a bituca pela janela, deu a partida e saiu para a estrada.

Às 4 da manhã só havia caminhões na estrada, e mesmo assim eram poucos. Vez por outra ultrapassava um ou cruzava outro. Prestava atenção no rádio para não pensar na mulher. Sabia que não adiantava nada ficar se lamentando. Também não havia o que fazer e só teria notícias dela quando voltasse para casa. A estrada subia e descia os morros, sem curvas. O rádio pegava bem na parte mais alta da pista mas o som sumia na descida do morro.

Quando o rádio ficava mudo era difícil não pensar na mulher. Figueira acelerava para chegar mais rápido ao topo e ocupar sua mente da música. Estava ficando irritado com o some-aparece. Desligou o rádio. Deu uma olhada no odômetro. Um terço da viagem. Olhou o relógio e fez as contas. Chegaria ao seu destino pouco antes das 8 horas da manhã.

O sono apertava. O cansaço se fazia sentir. Joaquim bocejava. Arregalava os olhos em seguida, sentia-se reanimado com isso. Seu piscar de olhos era cada vez mais lento, passando de décimos de segundo para segundos inteiros com os olhos fechados. Ele sabia dos riscos que estava correndo se dormisse ao volante. Quando ele achava que não fosse mais possível continuar, surgiu um posto de gasolina à frente.

- Dois expressos duplos, por favor! - exclamou com falsa animação. - Um para viagem.

- Tem defunto alí? - perguntou o balconista apontando o carro.

- Tem. - respondeu Figueira, depois de estranhar a pergunta.

- Vixe Maria! Você é corajoso.

Figueira estava tão preocupado com seu casamento que nem havia lembrado do morto durante a viagem. Pagou o café, entrou no carro e voltou para a estrada.

Clique aqui para ler a parte 2 de 2.

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