letras manchadas de sangue,


                                frases esquartejadas,


                                                        espalhadas pelo chão




quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A Vingança - Parte 1 de 3



Gustavo sabia que iria morrer a qualquer momento. Sentia o cheiro de seu sangue se espalhando pelo chão da varanda. Suas roupas estavam empapadas e ele não conseguia mais se mover. Ouviu Andréia se aproximar calmamente. Viu ela parar a um passo da poça vermelho-escuro, que aumentava. Enquanto agonizava, ele tentava entender tudo aquilo. Pensava no quanto havia sido tolo.

- Fique tranquilo, Gustavo - disse Andréia enquanto se abaixava - Já está acabando.


* * *


A viagem no feriado prolongado fora programada com bastante antecedência. Hélio e Andréia haviam comprado a chácara na serra há cerca de seis meses. Convidaram Gustavo e Regina outras duas vezes para visitá-los mas os dois estavam sempre ocupados. Gustavo estava louco para conhecer o lugar. Estava também desesperado para tirar alguns dias de folga do trabalho. Fazia dois meses que trabalhava até nos fins de semana e virava as noites no escritório.

Saíram de São Paulo na quinta-feira logo depois de anoitecer. Seguiram o mapa feito por Hélio e em poucas horas estavam atravessando a porteira da chácara. A noite estava fria e uma neblina fina se formava nos morros que ficavam em frente à chácara.

- Nossa! Tudo é muito lindo aqui - elogiou Regina.

Hélio trouxe da cidade vários tipos de queijos e vinhos, especialmente selecionados para a ocasião. Não poupou esforços para agradar os amigos.

- Este vinho é de uma safra especial. Eu não entendo nada disso, mas o vendedor entende e me recomendou - disse, dando uma gargalhada.

- Imagine se não fosse bom. Quase duzentos contos por uma garrafa de vinho - completou Andréia.

Gustavo sentiu-se à vontade na companhia dos amigos, finalmente livre do trabalho. Deliciou-se com o vinho e já estava levemente embriagado. Regina passou a maior parte do tempo calada. Ele percebeu mas não deu importância. Sabia que ela estava irritada nos últimos dias e não queria provocar uma discussão. Andréia pegou seu maço de cigarros e foi para a varanda. Gustavo foi atrás.

- Muito legal essa casa - puxou conversa.

Andréia não respondeu. Estava séria.

- Gustavo, tenho um assunto muito sério para tratar com você - disse depois de um longo trago.

- Caramba. Tão sério assim?

- Você nem imagina. Mas não vou falar agora. Quero estar tranquila, sem o Hélio por perto.

- Ok. Mas você não pode nem adiantar o assunto? Fiquei curioso.

- Não quero criar um climão. Relaxe. Você pode esperar.

- Se não tem jeito, tudo bem. Eu espero - disse sorrindo.

- Claro que espera - sorriu - Você não tem escolha.

Depois de mais algumas taças de vinho, cansado, Gustavo se despediu dos amigos e foi se deitar mais cedo do que de costume. Os outros continuaram na sala, conversando, rindo e bebendo.


* * *


- Gustavo! Gustavo! Acorda, porra! - a voz de Andréia.

- Pô, Andréia! Ainda nem amanheceu, me deixa dormir - respondeu sonolento.

- Acorda logo, seu filho da puta! - disse puxando sua orelha - Vem logo, quero falar com você.

Gustavo saiu da cama relutante. Ainda sonolento, seguiu com Andréia para a sala. Ela acendeu um cigarro, estava muito nervosa. Tentou acalma-la. Em vão.

- Cara, esse seu amigo é um filho de uma puta. Há quanto tempo a gente se conhece? Quinze, vinte anos? Nem sei.

- Andréia, se acalme. Seja o que for...

- Gustavo, você não tem noção do que eu tenho passado. O Hélio está me chifrando na maior cara de pau. E nem tente defender esse canalha!

Gustavo tinha uma irmã mais velha e conhecia bem esta situação. Andréia desconfiava que estava sendo traída, como acontecera dezenas de vezes com a sua irmã. Ele sabia que não adiantava tentar acalmá-la, e que só depois que a raiva passasse ela talvez ouvisse o que ele dizia.

Seria uma longa noite de ira, que depois daria lugar ao choro e aos lamentos. Pegou uma garrafa de vodka na geladeira e serviu pura, um copo para ele e outro para ela. Tirou um cigarro do maço, acendeu um e ofereceu outro para Andréia. Tinha a consciência de que ela precisava de alguém para desabafar, um ombro amigo. Estas crises de ciúme e desconfiança eram comuns a praticamente todas as mulheres. Mas, a traição mesmo, muitas vezes nem acontecia, puro fruto da imaginação e da insegurança. Com um estoque de cigarros e vodka, ele estava preparado pata a longa noite de lamúrias. Tudo transcorria exatamente como das outras vezes, e exatamente como nas várias vezes que sua irmão fora também, hipoteticamente, traída. Até que, sem mais nem menos, Andréia tirou da bolsa um revólver:

- Eu vou matar esse filho da puta - disse resoluta, a arma em punho. - E vai ser hoje, você vai ver.
Gustavo, já embriagado, foi pego de surpresa.

- Puta que pariu, Andréia! Que porra é essa? Abaixa essa merda. De onde você tirou essa arma?

- Da casa do caralho! Vou descarregar essa porra em cima daquele viado filho da puta!

Clique aqui para ler a parte 2 de 3.

0 comentários:

Postar um comentário